Debate de prós e contras: Rótulos de medicamentos codificados por cores – CONTRA: medicamentos anestésicos NÃO deveriam ser codificados por cores

Matthew Grissinger RPh, FISMP, FASCP; Ronald S. Litman, DO, ML
Summary: 

Somos contra o uso de rótulos de seringa codificados por cores, pois acreditamos que as cores fornecem uma falsa garantia do conteúdo da seringa, reduzindo a probabilidade de os anestesiologistas lerem os rótulos com o cuidado que deveriam. Já em 2008, em um Boletim da APSF,6 o Dr. Workhoven enfatizou que os anestesiologistas nem sempre leem os rótulos pois pensam que têm tempo apenas para reconhecer a cor, formato ou tamanho do medicamento ou seringa pretendidos. Agora já se passaram dez anos, e precisamos exigir mais estratégias do que nossa habilidade de reconhecer cores para manter a segurança dos pacientes.

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PRÓ: os rótulos de medicamentos codificados por cores aumentam a segurança do paciente


CONTRA: medicamentos anestésicos NÃO deveriam ser codificados por cores

A codificação por cores é a aplicação padronizada e sistemática de cores para auxiliar na classificação e identificação. Um sistema de codificação por cores permite que as pessoas memorizem uma cor e a função que ela representa. A codificação por cores de rótulos de medicamentos anestésicos do ponto de vista dos médicos é uma questão de senso comum e foi promovida por padrões criados pela American Society of Anesthesiologists1 e pela American Society of Testing and Materials (ASTM).2 Embora o sistema de codificação por cores nunca tenha demonstrado redução da incidência de erros medicamentosos na sala cirúrgica, ela pode diminuir danos porque, no caso de uma troca acidental de seringa de medicamentos da mesma classe geral (por exemplo, opioide por opioide), o efeito adverso da troca possivelmente não será tão significativo clinicamente quanto o de uma troca por um medicamento de outra classe (por exemplo, bloqueador neuromuscular).

Se a codificação por cores faz sentido em termos intuitivos, por que as organizações Institute for Safe Medication Practices (ISMP), United States Food and Drug Administration (FDA), American Medical Association (AMA) e American Society for Health-System Pharmacists (ASHP) são contra seu uso? Em primeiro lugar, a codificação por cores é de difícil manutenção, especialmente quando as seringas são pré-carregadas e pré-rotuladas por diversas farmácias internas e fornecedores fora do ambiente hospitalar e depois aplicadas em diversos setores do hospital. Por exemplo, no Children’s Hospital of Philadelphia, seringas pré-carregadas de anestésicos feitas por um robô automatizado são fornecidas com um rótulo branco e letras pretas (Figura 1), e seringas feitas por fornecedores terceirizados podem conter rótulos de cores diferentes, já que não existe padronização de código de cores (Figura 2). Se confiássemos na codificação de cores para escolher o medicamento correto todas às vezes, a administração acidental do medicamento errado seria inevitável. Isso foi ilustrado por um caso recente no Anesthesia Incident Reporting System (AIRS). O caso aconteceu quando uma farmácia no hospital assumiu a produção de seringas pré-carregadas de hidromorfona durante um período de escassez do fornecedor terceirizado. As novas seringas não continham os rótulos usuais azuis de opioide e foram confundidas com dexmedetomidina, que foi acidentalmente administrada por anestesiologistas em pelo menos três ocasiões.3 Além disso, há um limite para a variedade de cores discerníveis disponíveis para uso comercial. Distinções sutis entre cores são difíceis de identificar, a menos que os produtos sejam associados entre si.4,5 Quanto mais cores são usadas, maior é o risco de confundir uma cor e, consequentemente, seu significado. Além disso, há risco de os médicos que têm daltonismo identificarem incorretamente os produtos codificados por cores, levando a erros medicamentosos. Ao confiar em sistemas de classificação por cores como o método principal de identificação de medicamentos, há o risco de que a leitura tripla recomendada do rótulo do medicamento não seja realizada (Tabela 1).

Figura 1. Seringas de medicamentos com rótulo branco e letras pretas preparadas pela farmácia hospitalar. O anestesiologista provavelmente colocou um rótulo colorido adicional.

Figura 1. Seringas de medicamentos com rótulo branco e letras pretas preparadas pela farmácia hospitalar. O anestesiologista provavelmente colocou um rótulo colorido adicional.

Figura 2. As seringas de medicamentos preparadas por fornecedores terceirizados podem ter rótulos de cores diferentes, dependendo do fabricante.

Figura 2. As seringas de medicamentos preparadas por fornecedores terceirizados podem ter rótulos de cores diferentes, dependendo do fabricante.

Tabela 1. Recomendação de ler três vezes o rótulo do medicamento

  1. Ao retirar o medicamento
  1. Ao preparar e rotular a seringa
  1. Antes de descartar o frasco/ampola

O ambiente da sala cirúrgica é único no que diz respeito ao preparo de medicamentos. Quando os anestesiologistas preparam medicamentos na sala cirúrgica, eles pegam o frasco ou ampola do medicamento de um carrinho, carregam o medicamento na seringa e aplicam um rótulo adesivo codificado por cores na seringa. Para a maioria dos pacientes, somente um agente de cada classe de medicamento é preparado. Portanto, cada medicamento tem sua própria cor, e os anestesiologistas costumam saber o que está em cada seringa porque elas foram preparadas por eles próprios. No entanto, preparar medicamentos no local de atendimento (ou seja, na sala cirúrgica) é uma empreitada arriscada por muitos motivos, incluindo, mas não se limitando a: troca de frascos não intencional, falha acidental na rotulagem da seringa com o medicamento final e possível contaminação do medicamento devido à preparação em um ambiente não estéril.

Acreditamos que o futuro da segurança de medicamentos na sala cirúrgica inclui o pré-carregamento e a pré-rotulagem de medicamentos anteriormente à chegada na sala cirúrgica. Isso pode ser realizado por uma farmácia hospitalar interna, um distribuidor de medicamentos terceirizado e/ou pelo fabricante de medicamentos. Essas seringas pré-carregadas, ainda que possivelmente codificadas por cores de acordo com a classe, poderiam aumentar o risco de troca de seringa, pois elas não foram preparadas pelo anestesiologista, especialmente se forem fornecidas em seringas de tamanhos semelhantes e formatos de rótulo semelhantes. Por exemplo, é possível ter três medicamentos (morfina, fetaNIL e HIDROmorfona), cada qual com variações relevantes de potência, em seringas rotuladas em azul na mesma área física. Uma troca de um desses medicamentos pode causar danos graves ao paciente, como depressão respiratória inesperada que resulta em anóxia.

Com a escassez de medicamentos afetando as práticas anestésicas, também seria possível que a concentração de um medicamento (por exemplo, morfina 1 mg/mL) fosse misturada a outra concentração daquele medicamento (por exemplo, morfina 10 mg/mL) e, ainda assim, ambas utilizariam o mesmo esquema de cores. Claro, sempre existe a possibilidade de a farmácia hospitalar ou o fornecedor trocarem acidentalmente os medicamentos ou rótulos, mas isso é bem menos comum, porque os espaços de preparação de medicamentos deles são segregados, em oposição ao ambiente da sala cirúrgica, onde todos os medicamentos coexistem no mesmo espaço físico.

Por último, é possível que essas seringas pré-rotuladas e preparadas comercialmente sejam usadas em outros ambientes além da sala cirúrgica no hospital por enfermeiros ou outros prestadores que talvez não conheçam as cores padrão dos cuidados anestésicos, o que pode resultar em uma troca acidental de seringa. Na sala cirúrgica, os pacientes são monitorados cuidadosamente, e há atendimento imediato disponível no caso de uma troca de medicamento. Fora da sala cirúrgica, as trocas podem ser de difícil identificação e manejo rápido em áreas não monitoradas. Um erro também pode passar despercebido se as seringas forem acidentalmente devolvidas para a área de armazenamento incorreta ou colocadas em uma mesa com outras seringas de medicamentos da mesma classe.

A solução mais prática para compensar as desvantagens da codificação por cores e, ao mesmo tempo, aumentar a segurança é adotar uma estratégia tecnológica, como uma leitura de código de barras (ou tecnologias semelhantes no futuro) de rótulos de seringa para interceptar trocas incorretas de seringa e, assim, assegurar aos médicos que eles estão administrando o medicamento correto. Em suma, a codificação por cores depende da habilidade humana, que é indiscutivelmente pouco confiável.

Em resumo, somos contra o uso de rótulos de seringa codificados por cores, pois acreditamos que as cores fornecem uma falsa garantia do conteúdo da seringa, reduzindo a probabilidade de os anestesiologistas lerem os rótulos com o cuidado que deveriam. Já em 2008, em um Boletim da APSF,6 o Dr. Workhoven enfatizou que os anestesiologistas nem sempre leem os rótulos pois pensam que têm tempo apenas para reconhecer a cor, formato ou tamanho do medicamento ou seringa pretendidos. Agora já se passaram dez anos, e precisamos exigir mais estratégias do que nossa habilidade de reconhecer cores para manter a segurança dos pacientes.

 

Matthew Grissinger RPh, FISMP, FASCP, é Diretor dos Error Reporting Programs, Institute for Safe Medication Practices.

Dr. Litman, DO, ML é o Diretor Médico do Institute for Safe Medication Practices e Professor de Anestesiologia e Pediatria na Perelman School of Medicine na University of Pennsylvania e anestesiologista responsável no Children’s Hospital of Philadelphia.


Os autores não têm conflitos de interesse financeiros para declarar.


Referências

  1. Statement on creating labels of pharmaceuticals for use in anesthesiology. 2015; http://www.asahq.org/~/media/sites/asahq/files/public/resources/standards-guidelines/statement-on-labeling-of-pharmaceuticals-for-use-in-anesthesiology.pdf. Accessed October 26, 2018.
  2. ASTM, Standard specification for user applied drug labels in anesthesiology. 2017; https://www.astm.org/Standards/D4774.htm. Accessed October 26, 2018.
  3. A case report from the Anesthesia Quality Institute, 2018; https://www.aqihq.org/files/AIRS_6.18.pdf. Accessed October 26, 2018.
  4. Christ RE. Review and analysis of color-coding research for visual displays. Human Factors. 1975;17:542–570. web.engr.oregonstate.edu/~pancake/cs552/guidelines/color.coding.html. Accessed November 19, 2018.
  5. American National Standards Institute, Association for the Advancement of Medical Instrumentation. Human factors engineering guidelines and preferred practices for the design of medical devices (ANSI/AAMI HE-48). Arlington, VA: Association for the Advancement of Medical Instrumentation, 1993; pg. 41.
  6. Workhoven M. There is no substitute for reading the label. APSF Newsletter. 2008;23:19. https://dev2.apsf.org/article/there-is-no-substitute-for-reading-the-label/. Accessed December 10, 2018.