Debate de prós e contras: Rótulos de medicamentos codificados por cores – PRÓ: os rótulos de medicamentos codificados por cores aumentam a segurança do paciente

Luke S. Janik, MD; Jeffery S. Vender, MD, FCCM
Summary: 

Rótulos de medicamentos codificados por cores são amplamente utilizados em anestesia para identificar a classe de medicamento. Há uma controvérsia crescente a respeito da segurança de tais rótulos. Vários especialistas em segurança e organizações apontaram preocupações sobre os rótulos de medicamentos codificados por cores, na verdade, contribuírem para erros médicos, pois serviriam como uma substituição da leitura do rótulo. Neste debate de prós e contras, argumentamos que os rótulos de medicamentos codificados por cores aumentam a segurança do paciente.

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CONTRA: Medicamentos anestésicos NÃO deveriam ser codificados por cores


PRÓ: os rótulos de medicamentos codificados por cores aumentam a segurança do paciente

Em 2015, a American Society of Anesthesiologists fez uma declaração apoiando a rotulagem de medicamentos codificados por cores e aplicados pelo usuário.1 Há nove cores de rótulos, e cada cor representa uma classe específica de medicamento, de acordo com a American Society for Testing and Materials (Figura 1). No entanto, o FDA (United States Food and Drug Administration)2 e o ISMP (Institute for Safe Medication Practices)3 manifestaram preocupações quanto à segurança dos rótulos codificados por cores. Eles sugerem que a codificação por cores pode, na verdade, contribuir para a ocorrência de erros medicamentosos porque faz com que os profissionais não leiam o rótulo. Outras preocupações são o número limitado de cores discerníveis, o aspecto visual semelhante entre cores, o contraste irregular com os diferentes ambientes, o possível daltonismo de alguns médicos e a ausência de dados que apoiem a prática da codificação por cores.3 Apesar de esses apontamentos serem compreensíveis, os benefícios da codificação por cores estão sendo subestimados. Acreditamos que os rótulos de medicamentos codificados por cores aumentam a segurança do paciente.

Figura 1. Rótulos de medicamentos codificados por cores usados em anestesia.

Figura 1. Rótulos de medicamentos codificados por cores usados em anestesia.

Pesquisas demonstram que a cor exerce uma função essencial na identificação de objetos. Em um experimento clássico, os participantes identificaram mais rapidamente objetos coloridos em comparação a objetos em escala de cinza. Por outro lado, eles levaram mais tempo para identificar objetos com cores incongruentes (por exemplo, morangos azuis).4 Em outro estudo, os participantes expostos a uma imagem em escala de cinza durante uma ressonância magnética funcional exibiram atividades tão distintas no córtex visual que especialistas independentes conseguiram determinar a cor do objeto, mesmo que a imagem estivesse em escala de cinza (um fenômeno conhecido como “memória de cor”).5 No entanto, não precisamos de estudos sofisticados para reconhecer a importância das cores na interpretação ao seu redor – você a vive todos os dias. Placas e sinais de trânsito usam cores para expressar significado.6 Chefs usam tábuas de corte codificadas por cores para reduzir o risco de alergias alimentares.7 Empreiteiros usam capacetes de cores diferentes para indicar sua função no canteiro de obras8 e eletricistas usam circuitos codificados por cores.9 O Departamento de Defesa dos Estados Unidos,10 a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA),11 a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos (NASA)12 e praticamente todos os demais setores usam a codificação por cores para minimizar erros humanos. Por quê? Porque a codificação por cores é um componente essencial da engenharia de fatores humanos.

A engenharia de fatores humanos se concentra em compreender os pontos fortes e fracos do ser humano, bem como suas limitações físicas, psicologia e falibilidade, a fim de criar sistemas e dispositivos que reduzem erros humanos. O objetivo da engenharia de fatores humanos é projetar um sistema que funcione apesar do envolvimento humano, através da redução da dependência na memória, na atenção e em cálculos. O objetivo é alcançado pela imposição dos princípios13,14 na Tabela 1.

Tabela 1. Princípios norteados pela engenharia de fatores humanos para redução de erros

Princípio Definição Exemplo
Padronização Diminui a variabilidade de sistemas Checklist pré-voo usado na aviação
Funções forçadas Evitam a realização de uma ação indesejada Impossibilidade de trocar de marcha em um carro sem pisar na embreagem
Sinais redundantes Expressam a mesma mensagem por diferentes meios Tanto a cor como a posição das luzes do semáforo significam a mesma coisa
Predisposições específicas Transmitem o uso pretendido por meio de características inerentes Uma porta com uma barra de empurrar implica “empurre para abrir”
Correspondência natural Cria relações óbvias entre o objeto e o controlador Virar a direção para a direita vira as rodas para a direita
Mitigação de erros Promove a detecção e correção antecipadas de um erro Os sistemas de pedido de medicamentos alertam o profissional durante o processo de pedido sobre possíveis interações medicamentosas entre medicamentos

Os rótulos de medicamentos codificados por cores atendem a dois propósitos. Em primeiro lugar, eles agem como sinais redundantes no reconhecimento de objetos, indicando a classe do medicamento por meio da cor, além do texto. Em segundo lugar, eles promovem a diminuição de erros. A troca de seringas é responsável por aproximadamente 20% de todos os erros medicamentosos.15 Os rótulos codificados por cores visam conter as trocas de seringas para medicamentos da mesma classe. Portanto, se houver troca de seringa, a estratégia inicial de manejo provavelmente será a correta. Em um exemplo hipotético, antes de realizar uma anestesia espinhal, um médico pede para o colega administrar fentanil. Pouco após a administração do medicamento, o paciente torna-se sonolento e apneico. Você suspeitaria de uma overdose de narcóticos? Se sim, você não é o único. Este fenômeno é conhecido como “viés de ancoragem”, no qual o diagnóstico inicial é ancorado em um evento recente, neste caso, a administração do que se acredita ser um narcótico. Seu primeiro passo provavelmente seria ventilar o paciente e administrar naxolona, enquanto investiga a causa mais a fundo. Depois de descobrir que ocorreu a troca de seringas (foi administrado hidromorfona em vez de fentanil) você prossegue com o manejo em andamento. Apesar de a medicação errada ter sido administrada, a ação corretiva foi adequada. Os rótulos codificados por cores limitaram o erro a um evento adverso relacionado a narcóticos, permitindo que o “viés de ancoragem” trabalhasse a seu favor, e não contra. Agora, imagine que um agente paralítico fosse o verdadeiro culpado. Nesse caso, a ação corretiva inicial poderia resultar no atraso do manejo adequado.

Aqueles que são contra os rótulos codificados por cores argumentam que eles servem como substitutos para a leitura do rótulo. Na verdade, eles provavelmente argumentariam que a troca de seringa no exemplo dado teria sido totalmente evitada se os rótulos coloridos não tivessem sido usados. Ao remover a codificação por cores, o profissional seria obrigado a ler o rótulo para identificar o medicamento. Em outras palavras, eles esperam impor a leitura forçada em detrimento dos sinais redundantes e da diminuição de erros. Há dois problemas nessa lógica. Primeiro, ela assume que os rótulos codificados por cores levam a um aumento de erros medicamentosos. Se isso fosse verdade, a taxa de erros medicamentosos em unidades hospitalares onde a codificação por cores não é usada deveria ser consideravelmente mais baixa. No entanto, os erros ainda acontecem nesses locais.16 Mais evidente ainda são os resultados de um ensaio clínico com mais de 55.000 anestésicos, que relataram zero casos de troca de seringa entre medicamentos com rótulos da mesma cor.17 Na verdade, o tamanho da seringa, e não a cor, foi associado com mais frequência a erros de troca de seringa.17 Em segundo lugar, o objetivo de “forçar” os profissionais a lerem o rótulo por meio da eliminação da codificação por cores é bem-intencionado, mas equivocado. Os rótulos que apresentam somente texto ainda estão sujeitos a erros. Nomes dos medicamentos que são semelhantes em tamanho, têm as mesmas letras iniciais e finais ou têm vários caracteres em comum podem ser identificados incorretamente.18 O ISMP publicou uma lista de medicamentos com nome parecido e aconselhou o uso de uma estratégia chamada “tall man lettering” que usa algumas letras em maiúsculo, para ajudar a diferenciar esses nomes.18 No entanto, é inviável para os anestesiologistas que rotulam os próprios medicamentos à mão usarem um sistema de letras maiúsculas e minúsculas padronizado.

É uma ilusão acreditar que haveria redução de erros se os rótulos coloridos fossem abolidos. Sim, acreditamos firmemente que todo profissional deve ler o rótulo todas as vezes. Mas seria insensato ignorar as lições aprendidas com a engenharia de fatores humanos e pesquisas psicológicas. Como um profissional, com qualquer nível de treinamento ou experiência, poderia administrar um medicamento sem ler o rótulo com atenção? Com certeza, esses erros devem ocorrer devido à falta de cuidado, inteligência ou experiência, certo? Bem, se alguma vez já aconteceu de você estar dirigindo para casa e, depois de chegar, perceber que não lembra de ter passado por alguma rua ou semáforo conhecido, você vivenciou um aspecto curioso da natureza da cognição humana. A tomada de decisão ocorre em dois processos distintos: A memória de trabalho permite que realizemos várias tarefas de rotina em paralelo exigindo pouca atenção, enquanto a atenção direcionada é responsável por tarefas complexas e singulares, que exigem foco e precisão.13 Diante de desafios múltiplos e simultâneos, como instabilidade hemodinâmica, perda sanguínea, desordem metabólica, necessidade de fazer verificações laboratoriais etc., a mente simplesmente não pode usar a atenção direcionada para todas as tarefas. Não importa se admitimos isso ou não, algumas tarefas são realizadas com a memória de trabalho. Sinais redundantes, como rótulos codificados por cores, auxiliam a memória de trabalho. Se os rótulos com codificação por cores forem abolidos, outros sinais redundantes menos confiáveis assumirão seu lugar na identificação de medicamentos, como o tamanho, a orientação e a localização da seringa.

James Reason, PhD, é o psicólogo responsável pela Teoria do Queijo Suíço, famoso modelo de erros.19 Esse modelo descreve como múltiplas falhas pequenas precisam estar alinhadas para que um erro chegue ao paciente. Na anestesia, nos esforçamos para criar tantas camadas de defesa quanto possível para impedir que erros cheguem ao paciente. Insistimos em ter duas lâminas e dois cabos funcionais para laringoscopias, caso um dos cabos ou bulbos apresente falha durante o uso. Usamos diversas camadas de defesa para evitar misturas hipóxicas de gás: linhas de fornecimento de gás codificadas por cores, sistema de indexação por pinos, sensor de oxigênio, oxigênio posicionado como o gás mais a jusante, botões do medidor de fluxo codificados por cores e botões de oxigênio estriados. Dito de modo simples, a redundância melhora a segurança.

Compartilhamos as preocupações do ISMP sobre a existência de um número limitado de cores discerníveis, cores que podem parecer similares, o modo como o fundo com contraste inadequado pode afetar a aparência e a situação desfavorável para profissionais da saúde com daltonismo. A respeito do argumento de que não há dados que apoiem os rótulos codificados por cores, apontamos para um estudo que demonstra que rótulos codificados por cores melhoram a identificação correta de bolsas de soro intravenoso, melhoram a identificação de erros e reduzem o tempo de desempenho médio das tarefas.20 Os rótulos codificados por cores podem não ser perfeitos, mas não podemos descartar um sistema de rotulagem com grandes vantagens por causa de algumas desvantagens. Só porque um sistema não é perfeito, não significa que ele não seja útil. Os rótulos codificados por cores adicionam mais uma camada de proteção na defesa contra erros medicamentosos, e isso que pode fazer a diferença entre um caso sem complicações e um caso com evento adverso.

Os prós e contras são dois lados da mesma moeda. Os rótulos de medicamentos são uma pequena porção de um problema muito mais amplo. Os erros ocorrem não só devido a trocas de seringa, mas também por conta de equívocos de preparação, rotulagem, seleção de frasco/ampola, rota de administração e problemas de comunicação.15 Como anestesiologistas, temos o dever de melhorar o sistema para minimizar os erros humanos. Em nenhuma outra área do hospital há um único profissional que seja responsável pela prescrição, aplicação, preparo, rotulagem e administração de medicamentos, bem como pela monitorização de eventos adversos. Marcadores de rótulo, leitores de código de barras e seringas pré-carregadas no local de atendimento são medidas de segurança importantes que tiram o fardo dos anestesiologistas em algumas dessas tarefas relacionadas a medicamentos e permitem a verificação por uma segunda fonte, reduzindo as chances de erro. Infelizmente, esses dispositivos não são amplamente usados, principalmente devido a limitações de custos. Mesmo com esse tipo de auxílio, enquanto houver envolvimento humano, os erros continuarão a acontecer. Apoiamos o uso de rótulos de medicamentos codificados por cores, e insistimos que todos os profissionais de saúde sempre leiam o rótulo do medicamento antes da administração.

 

Dr. Janik é anestesiologista no Departamento de Anestesiologia, Medicina Intensiva e Medicina da Dor na NorthShore University Healthsystem e Professor Assistente Clínico no Departamento de Anestesiologia/Medicina Intensiva na University of Chicago.

Dr. Vender é anestesiologista e Ex-Diretor do Departamento de Anestesiologia, Medicina Intensiva e Medicina da Dor na NorthShore University HealthSystem e Professor Clínico no Departamento de Anestesiologia/Medicina Intensiva na University of Chicago.


Dr. Janik não apresenta conflitos de interesse. Dr. Vender é consultor da Fresenius-Kabi.


Referências

  1. Asahq.org. Statement on labeling of pharmaceuticals for use in anesthesiology. American Society of Anesthesiologists (ASA). 2015; https://www.asahq.org/standards-and-guidelines/statement-on-labeling-of-pharmaceuticals-for-use-in-anesthesiology. Accessed November 9, 2018.
  2. Food and Drug Administration. Guidance for industry: safety considerations for container labels and carton labeling design to minimize medication errors. 2013; https://www.fda.gov/downloads/Drugs/GuidanceComplianceRegulatoryInformation/Guidances/UCM349009.pdf. Accessed November 9, 2018.
  3. Institute For Safe Medication Practices. A spectrum of problems with using color. 2003; https://www.ismp.org/resources/spectrum-problems-using-color. Accessed November 9, 2018.
  4. Tanaka, J, Presnell, L. Color diagnosticity in object recognition. Percept Psychophys. 1999;61:1140–1153.
  5. Bannert MM, Bartels A. Decoding the yellow of a gray banana. Current Biology. 2013;23:2268–2272.
  6. Federal Highway Administration, Manual of uniform traffic control devices. 2009; https://mutcd.fhwa.dot.gov/pdfs/2009/mutcd2009edition.pdf. Accessed November 9, 2018.
  7. The Food Safety Company. Why colour coding is important. 2016; http://www.foodsafety.company/2016/11/why-colour-coding-is-important.html. Accessed November 9, 2018.
  8. BuildUK.org. Safety Helmet Colours. 2016; https://builduk.wpengine.com/wp-content/uploads/2016/04/Safety-Helmet-Colours-Build-UK-Standard.pdf. Accessed November 9, 2018.
  9. Osha.gov. (2018). Authority for 1910 Subpart S – 1910 Subpart S | Occupational Safety and Health Administration. https://www.osha.gov/pls/oshaweb/owadisp.show_document?p_id=10135&p_table=STANDARDS. Accessed November 9, 2018.
  10. Department of Defense Handbook. Color and marking of army material (Metric); MIL-STD-1273B (MI) 1995; https://www.alternatewars.com/BBOW/Sources/MIL-HDBK-1473.pdf. Accessed November 9, 2018.
  11. Cardosi K, Hannon D. Guidelines for the use of color in ATC displays. Federal Aviation Administration, US Department of Transportation, Research and Special Programs Administration. 1999; http://www.tc.faa.gov/its/worldpac/techrpt/ar99-52.pdf. Accessed November 9, 2018.
  12. Standard for color code for shop machinery and equipment, John F. Kennedy Space Center. KSC-STD-0003, 1967; https://ntrs.nasa.gov/archive/nasa/casi.ntrs.nasa.gov/19670027339.pdf. Accessed November 9, 2018.
  13. Kohn LT, Corrigan JM, Donaldson MS. “To err is human: building a safer health system.” Committee on Quality of Healthcare in America. Institute of Medicine. 1999.
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  16. Wolfe D, et al. Incidence, causes, and consequences of preventable adverse drug reactions occurring in inpatients: A systematic review of systematic reviews. PLoS One. 2018;13:1–36.
  17. Fasting S, Gisvold SE. Reports of investigation: adverse drug errors in anesthesia, and the impact of coloured syringe labels. Can J Anesth. 2000;47:1060–1067.
  18. Institute For Safe Medication Practices. (2018). Special Edition: tall man lettering; ISMP updates its list of drug names with tall man letters. https://www.ismp.org/resources/special-edition-tall-man-lettering-ismp-updates-its-list-drug-names-tall-man-letters. Accessed November 9, 2018.
  19. Reason J. Managing the Risk of Organizational Accidents. Burlington, VT: Ashgate Publishing Company; 2000.
  20. Porat N, et al. Use of colour-coded labels for intravenous medications and lines to improve patient safety. Qual Saf Health Care. 2009;18:505–509.