Fadiga de alarme e segurança do paciente

Keith J Ruskin, MD, FAsMA, FRAeS; James P Bliss, PhD

Introdução

AlarmesOs dispositivos médicos eletrônicos são uma parte essencial do atendimento aos pacientes, fornecendo suporte vital à vida e monitorização fisiológica que melhora a segurança em todas as unidades de cuidados hospitalares. Os alarmes e alertas gerados por tais dispositivos têm como objetivo chamar a atenção dos profissionais de saúde para desvios nos parâmetros fisiológicos em relação aos valores normais prevenindo danos aos pacientes. Os dispositivos de suporte à vida, como ventiladores e máquinas de circulação extracorpórea, também contêm alarmes para alertar os profissionais da saúde sobre falhas potencialmente letais. Esses dois tipos de alarmes, isto é, para alertar sobre funções fisiológicas e sobre dispositivos, fazem com que haja uma frequência alta de alarmes no ambiente clínico. Por exemplo, em um estudo de pacientes submetidos a procedimentos, 8.975 alarmes foram disparados em um total de 25 procedimentos consecutivos. Isso equivale a 359 alarmes por procedimento ou aproximadamente 1.2 alarme por minuto.1 Os fabricantes de equipamentos deliberadamente definem sensibilidade alta como o padrão dos alarmes, para evitar que eventos reais passem despercebidos. Como resultado, muitos dos alarmes têm baixa especificidade e baixo valor preditivo positivo. Por isso, são ignorados com frequência.2 O problema é agravado quando são implantados alarmes para vários parâmetros, levando a uma aglomeração de alarmes e criando um ambiente ruidoso e com muitas distrações, com pouca contribuição para a melhora no cuidado com os pacientes.

A fadiga de alarme se refere a um aumento no tempo de resposta do profissional de saúde ou na redução de sua taxa de resposta a alarmes em decorrência da exposição ao excesso de alarmes. A fadiga de alarme é comum em várias profissões (por exemplo, em motoristas e profissionais da saúde) e ocorre quando há uma ativação tão frequente de sinais que os operadores passam a ignorá-los ou silenciá-los. Os aspectos organizacionais e tecnológicos do ambiente hospitalar são extremamente complexos, e a fadiga de alarme tem sido associada a acidentes médicos.2 A Joint Commission, reconhecendo a relevância clínica da fadiga de alarme, tornou o gerenciamento de alarmes clínicos uma das metas para a segurança do paciente (National Patient Safety Goals). Este artigo apresenta uma visão geral sobre a sinalização (alarmes, alertas e avisos) e oferece soluções práticas para reduzir a fadiga de alarme em centros cirúrgicos e unidades de terapia intensiva.

Alarmes falsos, que não exigem ação e incômodos

Historicamente, os pesquisadores utilizaram diferentes termos de sinalização de maneira intercambiável, o que pode dificultar a compreensão e solução de problemas criados pelo excesso de alarmes. Bliss e Gilson propuseram uma classificação inicial dos termos de sinalização levando em conta o tempo entre o sinal e a situação associada a ele.3 Eles adotaram o termo “sinal” como um termo geral para todos os estímulos usados com a função geral de notificar sobre uma emergência. Esta classificação define “alarme” como um sinal sensorial transitório (geralmente sonoro ou visual) que indica perigo atual com necessidade de ação corretiva imediata, enquanto “alerta” indica que um evento adverso pode ocorrer no futuro.3 Por exemplo, um alerta pode indicar que em 10 minutos o paciente poderá sofrer deterioração, enquanto um alarme pode indicar que ele está tendo uma assistolia. Os alertas dão mais tempo para o operador reagir, permitindo uma resposta preventiva que pode evitar o problema, enquanto uma resposta a um alarme é reativa ou corretiva e ocorre quando o perigo está presente.

A norma vigente para alarmes médicos é IEC 60601 1-8, que especifica requisitos básicos de segurança e desempenho, inclusive categorias de alarmes que são priorizadas por grau de urgência, e consistência de sinais de alarme.4 No entanto, a norma IEC não aborda os problemas associados à alta sensibilidade dos sensores e à baixa especificidade das condições de alarme. Um alarme válido pode dar ao profissional de saúde muito pouco tempo para reagir a um evento com perigo de morte. Em geral, os sinais devem, idealmente, dar ao profissional de saúde tempo suficiente para tomar medidas que evitem um resultado adverso. A duração de um intervalo de tempo adequado, no entanto, depende de parâmetros operacionais, particularmente a taxa na qual se espera que a situação se agrave.

Os sinais médicos podem ser subdivididos de acordo com a condição que representam. Alarmes clínicos indicam que o paciente precisa receber atenção imediata, enquanto alarmes técnicos indicam que o equipamento biomédico exige atenção. Por exemplo, a fibrilação ventricular resulta em um alarme clínico, enquanto um sensor desconectado ou um rastreamento de baixa qualidade da pressão sanguínea poderia disparar um alarme técnico. Xiao e Seagull propuseram uma classificação que diferencia os alarmes de acordo com a utilidade deles para a equipe médica que monitora os processos clínicos (Tabela 1).5

Tabela 1: Classificação de alarmes de Xiao e Seagull:5

Alarmes falsos ocorrem quando não há perigo, geralmente porque os limites do sensor foram definidos de forma conservadora.
Alarmes incômodos podem indicar problema em um contexto específico, mas foram disparados em um contexto diferente (por exemplo, um alarme de baixa pressão de cateter arterial que é disparado quando o medidor de pressão arterial é inflado).
Alarmes inoportunos ocorrem no momento errado, possivelmente para sinalizar uma condição que ainda levará muito tempo.

Os alarmes que exigem ação indicam um estado fisiológico anormal, que requer que o anestesiologista intervenha para evitar dano ao paciente.

Um desvio leve pode exigir somente uma avaliação do paciente e maior vigilância em relação a outras alterações, enquanto outros desvios podem indicar um problema urgente, com perigo de morte.6 Alarmes que não exigem ação podem ser disparados por aparelhos de monitorização (por exemplo, um aparelho de eletrocoagulação pode disparar um alarme de “fibrilação ventricular”), ou por um desvio real dos limites do alarme que representa uma anormalidade clinicamente não significativa (por exemplo, quando um alarme de apneia do ventilador dispara durante a intubação do paciente).

Fadiga de alarme

Não agir em resposta a um alarme pode resultar em dano ao paciente e, até mesmo, óbito. A United States Food and Drug Administration (FDA) registrou mais de 500 óbitos de pacientes relacionados a alarmes em um período de 5 anos e muitas pessoas acreditam que esse relatório subestima consideravelmente a magnitude do problema.* O propósito de um alarme é chamar a atenção imediata quando um evento anormal ocorre. Assim, os alarmes são projetados para distraírem e serem intrusivos. Interrupções frequentes de alarmes que não exigem atenção podem degradar a memória prospectiva, e há evidências de que melhorar o design de alarmes e alertas pode evitar erros.7 Profissionais de saúde podem ficar dessensibilizados a alarmes falsos frequentes; isso é chamado de efeito cry-wolf8 e há maior probabilidade de ocorrer durante períodos de alta carga de trabalho.9 O efeito cry-wolf pode fazer com que os usuários não confiem e até mesmo ignorem alarmes subsequentes de um dispositivo ou de dispositivos semelhantes.

A natureza intrusiva dos alarmes sonoros pode aumentar o nível de estresse durante um evento anormal.10 Em 2015, um dos autores (KJR) cunhou o termo alarm flood (que tem aparecido como “avalanche de alarmes” em publicações brasileiras) e o definiu como um número elevado de alarmes, sendo que alguns desses alarmes podem estar em áreas diferentes de atendimento a pacientes.11 Além disso, os alarmes podem perturbar o sono e contribuir para episódios de delírio em UTIs. Hall et al. mediram o estresse gerado pela resposta a um alarme de “emergência” que exigia que os participantes se vestissem imediatamente e andassem rapidamente até uma sala de testes. Eles verificaram que o estresse fisiológico (indicado pelo nível de cortisol na saliva) causado por alarmes noturnos era significativamente mais alto do que aquele em resposta a alarmes diurnos.12

Soluções: Simples e Complexo

AlarmesA fadiga de alarme é um problema complexo, e algumas das soluções possíveis são o replanejamento de aspectos organizacionais do ambiente e da disposição da unidade, de fluxos de trabalho, de processos e da cultura de segurança. Soluções técnicas e de engenharia, considerações sobre carga de trabalho e mudanças práticas na forma como a tecnologia atual é usada podem diminuir os efeitos da fadiga de alarme. Essas mudanças exigirão novas abordagens para o treinamento, o fluxo de trabalho clínico e as políticas organizacionais.11 Os principais objetivos de uma solução abrangente para a fadiga de alarme devem ser indicar de forma clara e precisa possíveis perigos e simultaneamente minimizar os alarmes falsos e incômodos. Os sinais devem ser compatíveis em todos os equipamentos usados no ambiente de assistência médica. Diversos fatores, como ruído, iluminação, demandas de tarefas simultâneas, descrença e cegueira ou surdez atencional, podem fazer com que o profissional de saúde não consiga detectar ou responder a um alarme. Os novos equipamentos devem ser projetados de modo a diminuir a carga de trabalho do profissional e a não distraí-lo de outras tarefas nas quais o tempo é essencial. O aumento na carga de trabalho e os altos níveis de ruído no ambiente podem prejudicar a capacidade de localizar alarmes.13

Mudanças nos algoritmos de processamento de alarmes em monitores fisiológicos podem reduzir o número de alarmes que não exigem ação. Retardar o disparo de alarmes referentes a violações temporárias clinicamente irrelevantes pode melhorar a confiabilidade nos alarmes. Um estudo levantou a hipótese de que a implantação de um breve atraso no alarme referente a pequenas violações nos limites (definidas pelos pesquisadores como desvios inferiores a 4% além do limite) inibiria alarmes causados por violações temporárias clinicamente irrelevantes.14 O atraso permitiria que os valores retornassem aos limites normais antes do disparo do alarme. A implantação desse atraso em alarmes com violações pequenas e temporárias resultou em uma redução de 74% de alarmes falsos.14 Srivastava et al. usaram um algoritmo de aprendizado de máquina para analisar simultaneamente as formas de onda de eletrocardiograma, oximetria de pulso e pressão arterial. O modelo conseguiu impedir 77% dos alarmes falsos e melhorou em 84% a precisão de alarmes.15 Estes e outros estudos destacam as oportunidades para os fabricantes de equipamentos médicos desenvolverem algoritmos inovadores para aumentar o valor preditivo positivo de alarmes clínicos.

A diminuição do volume dos alarmes pode reduzir o nível de poluição sonora em salas cirúrgicas e UTIs. A crença popular sugere que os alarmes devem ser os mais altos possíveis para atrair imediatamente a atenção do operador. No entanto, em um estudo recente, Schlesinger et al. descobriram que os médicos que devem responder a eventos críticos simulados durante um teste auditivo de inteligibilidade de fala conseguiram distinguir alarmes mesmo quando estavam a -11 dB abaixo do nível de ruídos no ambiente.16 Esses resultados possivelmente refletem o nível de expertise dos operadores e indicam que pode ser possível reduzir o volume dos alarmes e, assim, o nível de ruído geral nas instituições médicas. Embora os alarmes devam ser audíveis, o estudo sugere que a redução do volume é possível, especialmente para alarmes que não indicam uma condição com perigo de morte. É necessário considerar estratégias para isso juntamente com manipulações de formas de onda, intervalos intertemporais e outros parâmetros físicos.13

Algumas intervenções simples podem ser adotadas imediatamente por praticamente qualquer médico. Os médicos devem escolher limites de alarme adequados para cada paciente. Shanmugham et al. verificaram que a carga de trabalho percebida foi mais baixa quando os alarmes foram configurados para refletir o status fisiológico de um paciente específico em vez de usar a configuração-padrão dos alarmes clínicos.17 Essa simples etapa, que consistiu em alterar os limites dos alarmes clínicos e desativar os alarmes não essenciais, melhorou a precisão da resposta a alarmes, a experiência do participante e a satisfação geral. Uma forma simples de atingir essa meta é usar perfis específicos quando disponíveis, por exemplo, usar padrões pediátricos ao atender uma criança e usar o modo “passo” ao atender pacientes com marca-passo ou dispositivos de desfibrilação cardíaca implantável. Sensores descartáveis também podem ser responsáveis pelo disparo de alarmes falsos, especialmente quando eles foram reposicionados ou já secaram. Um sensor ou cabo que não é compatível com o monitor em uso e eletrodos com gel seco ou adesivo também podem disparar alarmes falsos. Uma solução simples é usar eletrodos novos em caso de necessidade de reposicionamento, substituindo os antigos em vez de tentar reutilizá-los. A monitorização em excesso também pode aumentar o número de alarmes aos quais os médicos são expostos. Por isso, o nível de monitorização deve ser selecionado de acordo com as necessidades de cada paciente.11,18

Conclusões

A fadiga de alarme é um problema multifacetado, com vários fatores contribuintes, incluindo alarmes falsos e que não exigem ação. A maioria dos alarmes é disparada quando o valor de um parâmetro viola o limite pré-determinado, que costuma ser definido com base na previsão de que os sinais vitais normais de um paciente ficarão dentro de uma faixa pequena e previsível. Embora essa filosofia possa funcionar bem ao monitorar um único parâmetro com uma faixa normal bem definida (por exemplo, saturação de oxigênio), ela também pode resultar em um grande número de alarmes falsos ao monitorar pacientes com múltiplas comorbidades em um ambiente clínico real. Os fabricantes de equipamentos médicos podem ajudar a resolver esse problema desenvolvendo algoritmos de processamento de alarme inovadores. Os médicos também podem fazer mudanças simples em suas práticas para diminuir os efeitos da fadiga de alarme.

 

O Dr. Ruskin é Professor Assistente de Anestesiologia e Medicina Intensiva da University of Chicago, Chicago, Illinois.

O Dr. Bliss é Professor e Coordenador de Psicologia na Old Dominion University, Norfolk, Virgínia.


Nenhum dos autores tem qualquer conflito de interesses a declarar referente a este artigo.


Referências

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