Lições aprendidas com ligações para a linha direta de hipertermia maligna da MHAUS

F. Jay Garcia, MS4; Ronald S. Litman, DO, ML; Teeda Pinyavat, MD

A linha direta de hipertermia maligna é um serviço prestado pela Malignant Hyperthermia Association of the United States (MHAUS), uma organização sem fins lucrativos de defesa do paciente. O serviço de linha direta por telefone oferece acesso em tempo real, 24 horas por dia, 7 dias por semana, a um médico com ampla experiência em HM. Durante uma ligação, um consultor fala diretamente com a pessoa fazendo a ligação, que está gerenciando ativamente uma suspeita de crise de HM ou tem uma pergunta sobre suscetibilidade à HM e manejo médico. Durante um caso ativo, o consultor orienta a pessoa que está ligando, fazendo perguntas de diagnóstico conforme necessário, avalia a probabilidade de HM e faz recomendações para manejo posterior. Desde 2001, a linha direta da MHAUS atendeu mais de 13.000 ligações (comunicação pessoal com o coordenador da linha direta da MHAUS).

No final de 2013, a MHAUS começou a registrar e salvar sistematicamente as informações dessas chamadas (incluindo arquivos de áudio) em um banco de dados. Em 2020, acessamos esse banco de dados para caracterizar as ligações em um período aproximado de 6 anos. Nossa intenção era informar os anestesiologistas sobre as características de prováveis pacientes com HM e daqueles que provavelmente não teriam HM. Quando possível, dependendo da natureza da ligação e da opinião do consultor, categorizamos cada ligação com a probabilidade de diagnóstico de MH como “improvável”, “provável” ou “indeterminado”, quando não havia informações suficientes para o consultor decidir. Essa categorização foi baseada em um campo denominado “diagnóstico” no banco de dados, que era preenchido por um escrevente no momento da ligação. Em geral, o diagnóstico era obtido a partir de indicações verbais do consultor da linha direta e, na maioria dos casos, o consultor relatava suas considerações sobre o diagnóstico à pessoa fazendo a chamada antes de encerrar a ligação.

Nossa análise identificou 3.003 ligações em 5 anos e meio, cerca de 1,8 ligações por dia. Houve 88 ligações de fora dos EUA, originadas de oito países em cinco continentes, sendo a maioria (76) do Canadá. A especialidade da pessoa fazendo a chamada foi registrada em 1.877 ligações. A maioria (57%) das ligações foram feitas por profissionais de anestesia (por exemplo, anestesiologistas e enfermeiros anestesistas), seguidos por profissionais semelhantes (22%) (por exemplo, enfermeiros, farmacêuticos etc.) e outros tipos de médicos (21%) (por exemplo, medicina de emergência ou terapia intensiva).

A localização do paciente no início do episódio foi relatada em 859 ligações. O local mais comum foi a sala de cirurgia, com 349 casos. Os outros locais mais comuns foram salas de recuperação pós-anestésica (SRPA) e unidades de terapia intensiva (UTI), com 206 e 304 casos notificados, respectivamente. Em relação à probabilidade de HM, as ligações de UTIs tiveram o maior número de casos de “HM improvável”, e as ligações de salas de cirurgia tiveram o maior número de casos de “HM provável” (figura 1).

Figura 1. Mostra o número total de ligações por local e o diagnóstico correspondente.

Figura 1. Mostra o número total de ligações por local e o diagnóstico correspondente.

Sinais clínicos foram relatados em 1.787 ligações (figura 2). Hipertermia, hipercapnia e taquicardia foram os sinais mais comuns, relatados em 1.266, 684 e 777 ligações, respectivamente. Rigidez foi relatada em 342 ligações. EtCO2 máximo e temperatura máxima foram relatados em 811 e 1.395 chamadas, respectivamente.

Figura 2. Descreve os sinais clínicos presentes no diagnóstico. Quando se faz referência à probabilidade do diagnóstico de HM, a hipertermia parece ter sido mais relatada nos casos em que o diagnóstico de HM era improvável ou indeterminado.

Figura 2. Descreve os sinais clínicos presentes no diagnóstico. Quando se faz referência à probabilidade do diagnóstico de HM, a hipertermia parece ter sido mais relatada nos casos em que o diagnóstico de HM era improvável ou indeterminado.

Diagnóstico de HM

No geral, as ligações consistiram em 298 casos de “HM provável”, 924 de “HM improvável” e 806 casos de diagnóstico “Indeterminado” registrados.

Recomendações do consultor

Foram registradas recomendações do consultor em 1.336 ligações. Os exames laboratoriais mais comumente recomendados foram gasometria arterial (806), mioglobina urinária (352) e exames de coagulação (88) (consulte a figura 3).

Figura 3. Mostra recomendações do consultor em comparação com o diagnóstico de probabilidade de HM.

Figura 3. Mostra recomendações do consultor em comparação com o diagnóstico de probabilidade de HM.

As terapias mais comumente recomendadas foram dantroleno (560), resfriamento externo (119), bicarbonato (39) e resfriamento interno (34). Dantroleno foi recomendado em 27,6% (560/2.028) de todas as ligações. Uma observação interessante é o número de vezes que o consultor recomendou a terapia com dantroleno (191/924, 20,7%) quando o diagnóstico de HM era improvável em comparação com o número de recomendações para dantroleno (205/298, 68,8%) quando o diagnóstico de HM foi considerado provável. O teste genético foi discutido em 171 casos, enquanto um teste de contratura foi recomendado em 112 casos.

Perguntas feitas

Além de dúvidas sobre casos ativos suspeitos, houve 950 chamadas com perguntas sobre HM. As perguntas perioperatórias mais comuns foram sobre uma “2ª opinião” (380), técnica segura (sem desencadeador) (por exemplo, preparação da máquina) (175) e medicação segura (por exemplo, anestésicos sem desencadeador) (157). Houve 73 chamadas sobre doenças associadas à HM, 41 chamadas sobre testes pós-operatórios e 21 sobre pré-tratamento com dantroleno.

Lições aprendidas

As características das ligações e as recomendações dos consultores podem ser úteis para que o anestesiologista decida sobre a probabilidade de HM e a terapia subsequente:

A hipertermia foi o sinal mais frequente relatado nas ligações. O nome “hipertermia maligna” leva a muitas chamadas relatando temperaturas extremamente altas (> 40 °C), independentemente da causa subjacente. A grande maioria dessas ligações relatou hipertermia isolada e foi julgada pelos consultores como casos improváveis de HM.

Quando a hipercapnia foi relatada, quase 1/3 dos casos foi julgado como HM provável, indicando que a hipercapnia poderia ser um sinal mais forte de HM do que a elevação da temperatura e outros sinais nesse subconjunto específico analisado.

Rigidez não foi um dos sinais mais comuns de HM relatados nas ligações. A rigidez é a contratura do músculo esquelético que ocorre quando há liberação excessiva de cálcio na célula muscular. A rigidez deve ser considerada um sinal importante de HM (embora também seja observada na síndrome maligna neuroléptica e na síndrome serotoninérgica), mas sua ausência não implica ausência de HM.

A HM foi considerada improvável na maioria das ligações originadas em UTIs e SRPAs. Nas ligações de UTIs, 57 pessoas descreveram um paciente com insuficiência respiratória que recebeu succinilcolina para ajudar na intubação traqueal e que desenvolveu hipertermia várias horas depois. Muitas pessoas que ligaram da SRPA relataram temperaturas elevadas inesperadas após uma cirurgia eletiva. Chamadas dos dois locais têm maior probabilidade de envolver hipertermia sem outros sinais hipermetabólicos concomitantes de HM (como mencionado acima). Não temos conhecimento de nenhum caso de HM que se apresentou com hipertermia na UTI sem outros sinais de hipermetabolismo.

A intervenção mais comum recomendada pelo consultor foi análise de gasometria arterial. A HM é improvável sem a presença de acidose metabólica, embora seja possível em casos suspeitos iniciais. Portanto, uma gasometria arterial ou gasometria venosa fornece uma informação crítica de diagnóstico. Pode ser necessário que os consultores recomendem gasometria arterial com mais frequência do que outras intervenções, porque esse exame costuma ser esquecido ou pode ser difícil de obter em alguns centros.

Dantroleno foi recomendado em muitos casos quando a HM foi considerada improvável. Por atuar como um antipirético inespecífico, às vezes o dantroleno pode ser recomendado como último recurso quando as medidas ativas de resfriamento são ineficazes e a temperatura do paciente está perigosamente alta. No entanto, o dantroleno apresenta efeitos colaterais, como fraqueza muscular e tromboembolismo no local de administração. Portanto, os benefícios e riscos da administração de dantroleno precisam ser avaliados caso a caso.

A limitação mais importante para decifrar esses dados é lembrar que não existe um teste rápido à beira do leito para HM. Os especialistas em HM usam seu melhor julgamento com base em anos de experiência no manejo desses casos, mas a única maneira de diagnosticar HM positivamente é por biópsia de contratura ou confirmação genética de uma variante patogênica causadora de HM, geralmente no gene RYR1. Por outro lado, a única maneira de descartar a suscetibilidade à HM é um teste negativo de contratura de biópsia muscular. Em um número muito pequeno dos casos reportados à linha direta da MHAUS, essas informações foram inseridas no banco de dados em um momento posterior à ligação original.

Em resumo, a linha direta de HM fornece um serviço importante para a comunidade médica, auxiliando no diagnóstico de HM e fornecendo recomendações clínicas em tempo real. Uma análise aprofundada de mais de 3.000 chamadas feitas de 2013 a 2020 para a linha direta de HM revelou que 1) hipertermia pós-operatória e pós-intubação isolada, embora geralmente levem a uma suspeita de HM pelas pessoas que fizeram a ligação, são indicadores pobres de um “provável diagnóstico de HM” feito pelo consultor especializado; 2) episódios que surgem em uma sala de cirurgia e aqueles que incluem hipercarbia como sinal clínico levam mais frequentemente a uma impressão de “HM provável” pelo consultor; 3) a gasometria é o teste de diagnóstico mais comumente recomendado durante uma ligação; e 4) dantroleno é comumente recomendado por consultores, mesmo quando eles não têm certeza do diagnóstico de HM.

 

Jay Garcia é estudante de medicina do 4º ano da Perelman School of Medicine da University of Pennsylvania.

Ron Litman, DO, ML, é professor de anestesiologia e pediatria no Children’s Hospital of Philadelphia e na Perelman School of Medicine da University of Pennsylvania. Foi diretor médico da linha direta da MHAUS de 2013 a 2019.

Teeda Pinyavat, MD, é professora assistente de Anestesiologia na Columbia University e no New York Presbyterian – Morgan Stanley Children’s Hospital de Nova York. É diretora médica da linha direta da MHAUS.


Os autores não apresentam conflitos de interesse.