Liderança Efetiva e Cultura de Segurança do Paciente

Brooke Albright-Trainer, MD; Rakhi Dayal, MD; Aalok Agarwala, MD, MBA; Erin Pukenas, MD
Summary: 

A liderança efetiva é necessária na medicina para promover uma cultura organizacional que valoriza a segurança do paciente. Ao promoverem um ambiente de segurança psicológica que incentiva as pessoas a se sentirem seguras para comunicar problemas e relatar preocupações, os líderes são capazes de agir de forma decisiva e oportuna para proteger pacientes e profissionais. Por fim, os líderes que promovem um clima organizacional positivo contribuem para maior satisfação profissional entre os funcionários, redução do burnout, menos erros médicos e uma melhor cultura de segurança geral.

A liderança efetiva é necessária na medicina para promover um clima organizacional que valoriza a segurança do paciente. A liderança é fundamental para o sucesso de qualquer projeto ou negócio. Os líderes efetivos dão o exemplo, valorizam uma ética profissional robusta e demonstram comprometimento com a missão de uma instituição ou de um departamento além da autopreservação.1 Líderes capacitados seguem uma visão clara para infundir um senso de propósito maior, definindo qual direção a organização deve seguir. Os líderes que promovem um ambiente de trabalho positivo e coeso geram confiança entre os profissionais e a equipe e estabelecem segurança psicológica para os funcionários. A liderança determina as prioridades organizacionais e pode direcionar recursos para iniciativas de segurança importantes. Promover um ambiente que incentiva as pessoas a manifestarem suas preocupações permite que os líderes trabalhem de forma decisiva e oportuna para proteger pacientes e profissionais na equipe. Por fim, os líderes que promovem um clima organizacional positivo contribuem para maior satisfação profissional entre os funcionários, redução do burnout, menos erros médicos e uma melhor cultura de segurança geral.2

Cultura de segurança

Aprimorar a cultura de segurança dos sistemas de saúde é essencial para a prevenção e redução de erros. A Joint Commission define “cultura de segurança” como um conjunto de “crenças, valores, atitudes, percepções, competências e padrões de comportamento que determinam o comprometimento de uma organização com a qualidade e a segurança do paciente”.3 Um parâmetro importante em uma cultura de segurança sólida é a disposição de os profissionais, em cargos clínicos ou de apoio, contratados recentemente ou experientes, se sentirem confortáveis em comunicar inadequações. É indispensável que os líderes defendam e fomentem um ambiente em que o ato de se expressar seja incentivado, de forma que as equipes de atendimento médico possam aprender com eventos adversos, situações que quase colocaram algo a perder e condições inseguras. Isso pode ser alcançado por meio do incentivo a uma abordagem transparente e não punitiva em relação à comunicação. A adoção de uma “cultura justa”, em que a culpa individual é minimizada ou eliminada e o foco é direcionado às falhas do sistema que contribuem para eventos adversos, pode melhorar a cultura de segurança.

Os líderes também devem adotar e promover esforços para erradicar comportamentos intimidadores. Quando um comportamento não profissional é tolerado em uma organização, a segurança do paciente é comprometida. Quando comportamentos pouco profissionais não são abordados de forma justa e transparente, eles continuam acontecendo, e os novos profissionais na equipe são levados a crer que esses comportamentos podem ser tolerados, possivelmente promovendo essa atitude ainda mais. Lidar com um comportamento não profissional adotado por profissionais desrespeitosos na equipe pode aumentar a satisfação e a retenção da equipe, melhorando a segurança do paciente, a experiência de gerenciamento de riscos e os ambientes profissionais.4

Os membros da equipe que identificarem condições inseguras ou que tiverem boas sugestões para o aprimoramento da segurança devem ser reconhecidos e recompensados. Os líderes podem usar várias técnicas para aprimorar a cultura de segurança, inclusive pesquisas para identificar lacunas na cultura, motivando o treinamento do trabalho em equipe, realizando executive walk-rounds e estabelecendo equipes de qualidade e segurança com base nas unidades.5 Por meio da avaliação proativa dos pontos fortes e das vulnerabilidades do sistema, as equipes podem monitorar o progresso e priorizar áreas para melhorar a cultura de segurança.

Segurança psicológica

O termo “segurança psicológica” refere-se à crença de que o indivíduo não será punido por cometer um erro ou se manifestar. É um componente essencial da cultura de segurança e está relacionado à segurança do paciente e ao burnout. A segurança psicológica permite criatividade, liberdade de expressão e ausência de medo por ter ideias novas, diferentes ou dissonantes.6 Um ambiente psicologicamente seguro também permite que os profissionais discutam questões relacionadas ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Para desenvolver a segurança psicológica, os líderes devem promover um ambiente em que os profissionais se sintam seguros ao comunicar problemas relacionados ao atendimento do paciente. Os líderes efetivos mantêm vias abertas de comunicação e são receptivos a feedback. Embora isso possa fazer com que o indivíduo fique mais vulnerável, a capacidade de aceitar feedback e reagir de forma construtiva permite que os líderes reconheçam os problemas com antecedência e lidem com eles proativamente.1 Caso contrário, os membros da equipe poderão não se manifestar sobre um problema devido ao medo de retaliação ou humilhação.

Cultura organizacional e burnout dos profissionais na equipe

Figura 1: O desequilíbrio entre vida pessoal e profissional pode contribuir para o burnout dos profissionais.

Figura 1: O desequilíbrio entre vida pessoal e profissional pode contribuir para o burnout dos profissionais.

A cultura de uma organização pode intensificar a segurança do paciente e aumentar a qualidade. Ela também pode contribuir com o burnout (Figura 1). O burnout é uma síndrome que resulta do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado adequadamente.7 Tradicionalmente, a cultura organizacional da área da saúde não deixa espaço para a discussão sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Os profissionais têm medo de expressar suas preocupações relacionadas às necessidades pessoais que podem não estar alinhadas às metas do departamento ou da instituição. É possível que algumas instituições apenas prestem atenção no burnout quando ele começa a afetar a produtividade e o acesso ao paciente, bem como quando começa a gerar pontuações ruins de segurança do paciente e custos mais altos. A rotatividade frequente ou a incerteza da gerência, a falta de um plano estratégico ou a inconsistência entre as metas podem fazer com que os médicos se sintam desvalorizados e ineficazes. A rotatividade muito alta pode ser um indício de que uma liderança ineficaz está contribuindo para altas taxas de burnout em departamentos ou instituições. A rotatividade gera custos mais altos, despesas com recrutamento, transição de agências/substitutos, folgas pagas com valores mais altos e necessidade de serviços adicionais de suporte, entre outros.

Atualmente, com o crescimento dos dados que relacionam o burnout entre profissionais de saúde aos aumentos de incidência de negligência e erros médicos, todas as instituições devem lidar com o estresse dos profissionais e trabalhar para gerenciar essa situação. Após a divulgação do relatório de referência do Institute of Medicine (IOM), que afirma que os óbitos decorrentes de erros médicos se tornaram a terceira principal causa de morte nos EUA, atrás do câncer e de doenças cardíacas, iniciativas para melhorar a qualidade e reduzir os danos aos pacientes se espalharam pelo país.8 Estudos recentes sugerem um aumento dobrado dos erros médicos quando associados ao burnout dos profissionais em comparação aos erros médicos não associados ao burnout, sendo que 55% dos participantes relataram sintomas de burnout.9 Se esses problemas não forem resolvidos, o bem-estar e até mesmo a segurança dos profissionais de saúde podem ser comprometidos. Para evitar o burnout e melhorar o bem-estar entre os profissionais, os líderes devem refletir sobre o clima da organização e implantar as mudanças necessárias. Ao implantar ferramentas de monitorização, incluindo iniciativas de bem-estar e equipes de resposta no local de trabalho, os líderes conseguem fomentar uma cultura organizacional que evita o burnout.

Principais atributos dos líderes efetivos

A aquisição de certos atributos de liderança é tão importante que muitas oficinas, cursos e treinamentos foram criados para ajudar a aprimorar e refinar essas habilidades. A lista a seguir, embora não seja abrangente, descreve alguns dos atributos mais importantes que diferenciam um líder efetivo de um líder não efetivo (Tabela 1).

Tabela 1: Principais atributos dos líderes efetivos

Principais atributos dos líderes efetivos

Comunicação efetiva

A comunicação efetiva é necessária para permitir que os profissionais de uma organização saibam o que é valorizado e reconhecido e o que se espera deles. Metas claramente articuladas ajudam as pessoas a permanecer focadas, bem como a monitorar o progresso e discutir desafios abertamente. Conforme novas ideias são desenvolvidas, é crucial definir os objetivos da missão e revisá-los regularmente com todas as partes interessadas envolvidas, incluindo profissionais de saúde da linha de frente, líderes de opinião ou docentes seniores. Essa monitorização do progresso com verificações e balanços regulares evita possíveis falhas de comunicação e garante o cumprimento das metas pretendidas. Os líderes devem estar sempre abertos a críticas e feedback construtivos. Se isso não ocorrer, os membros da equipe poderão temer retaliações ou humilhações por se manifestarem.

Trabalho em equipe colaborativo

Para se desenvolver uma cultura de segurança, é essencial promover uma cultura de trabalho em equipe e de camaradagem. Os líderes devem se orgulhar das conquistas dos profissionais e, ao mesmo tempo, aprimorar suas habilidades para o desenvolvimento futuro. A atitude positiva dos líderes é fundamental e contagiante. Quando os líderes trabalham junto com os profissionais da linha de frente, há um incentivo para fortalecer a visão e o crescimento no mais alto nível. Um exemplo de trabalho em equipe colaborativo é o compartilhamento das métricas de dados importantes. É mais provável que os profissionais cumpram as demandas recorrentes dos objetivos do local de trabalho quando entendem melhor por que precisam fazer isso. A comunicação efetiva e o trabalho em equipe colaborativo são essenciais para o alinhamento com uma meta em comum.

Experiência

Embora a experiência por si só não seja a única habilidade de um ótimo líder, os líderes experientes podem se sentir mais confortáveis quando precisam se arriscar e mais confiantes para tomar decisões. Quando os líderes hesitam ou ficam indecisos, como às vezes acontece com líderes inexperientes, pode haver confusão e exaustão entre os profissionais. No entanto, todo futuro líder precisa começar em algum lugar. O desenvolvimento profissional e o treinamento de liderança para indivíduos de alto potencial podem ser ótimos benefícios às organizações. Embora alguns tenham as habilidades inatas para o sucesso como líderes, nem todos nasceram assim. Até mesmo aqueles com experiência considerável ou liderança profissional podem falhar. Um estudo realizado pelo Center for Creative Leadership demonstrou que aproximadamente 38% a 50% dos novos líderes falham nos primeiros 18 meses de trabalho.7 Os líderes podem evitar entrar para essa impressionante estatística ao incorporar boas estratégias de liderança que motivam os membros da equipe a cumprir metas. Abertura a feedback, verificação regular das metas e reconhecimento dos sinais de falha são cruciais para o sucesso e o aprimoramento contínuo.

Adaptabilidade

É fundamental que os líderes trabalhem com os profissionais da linha de frente para desenvolver e implantar estratégias de trabalho criativas, a fim de maximizar a eficiência, limitar os fatores de estresse no local de trabalho e reduzir o burnout. As partes organizacionais interessadas e de terceiros continuam aumentando a pressão para que as métricas sejam alcançadas. Em algumas instituições, o volume está subindo pouco, mas há mais horas de trabalho, aumentando o risco para a saúde dos profissionais e reduzindo os retornos de produtividade. O aumento das horas de trabalho está associado a maior fadiga, mau humor, recuperação inadequada do trabalho e elevação de quase 40% no risco de doença arterial coronariana.10-12 Homens e mulheres que trabalham muitas horas demonstraram maior prevalência de depressão e distúrbios de ansiedade.13 O National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH) reconhece há décadas que os turnos e a falta de sono devido ao trabalho são perigos no local de trabalho, realizando um programa ativo de pesquisa para tratar desse risco. A meta do National Occupational Research Agenda (NORA) for Healthcare and Social Assistance (Plano Nacional de Pesquisa Ocupacional para Assistência de Saúde e Social) do NIOSH é que as organizações de saúde adotem práticas recomendadas de programação e recrutamento que minimizem a carga de trabalho excessiva e outros fatores associados à fadiga.14 O custo do atendimento médico continua subindo, juntamente com as demandas de produtividade. Com aprimoramento contínuo na tecnologia da informação, prontuários médicos eletrônicos e aprendizado por máquina, há uma lista cada vez maior de ferramentas que ajudam a aprimorar os processos e simplificar o atendimento, de forma que maiores demandas de produtividade nem sempre se transformem em maior carga de trabalho.

Conclusão

A liderança efetiva na medicina é necessária para promover a segurança do paciente. Os líderes devem sempre se esforçar para serem exemplos e administradores de recursos, além de aprimorarem os processos. Os líderes efetivos defendem iniciativas de segurança e criam sistemas que abordam as preocupações relatadas pelos profissionais da linha de frente e pelos pacientes. Restrições de qualquer tipo em uma organização podem levar a frustração, falha de comunicação e possíveis erros. Para se manterem eficientes e efetivos, os líderes devem superar esses obstáculos e continuar adotando uma perspectiva visionária, checar regularmente os profissionais, garantindo o bem-estar deles e adotando ações corretivas quando há desequilíbrio entre os elementos. Por meio da adaptação criativa e da comunicação efetiva, os líderes podem ajudar as organizações a conquistar suas metas, mesmo em épocas difíceis. Profissionais com graus mais altos de satisfação no trabalho apresentam taxas menores de burnout, resultando em maior concentração, produtividade e menos erros médicos em geral.

 

Dra. Trainer é professora assistente de Anestesiologia na Virginia Commonwealth University e no Central Virginia VA Health Care System em Richmond, Virgínia. Ela também está concluindo uma bolsa em Medicina Intensiva no Departamento de Anestesiologia e Medicina Intensiva da University of Virginia, Charlottesville, Virgínia.

Dra. Dayal é diretora do programa de Medicina da Dor no Departamento de Anestesiologia e Atendimento Perioperatório, University of California Irvine, Califórnia, e é professora clínica associada no Departamento de Anestesia e Atendimento Perioperatório, University of California Irvine Medical Center, Califórnia.

Dr. Agarwala é diretor médico no Massachusetts Eye and Ear, anestesiologista docente no Massachusetts Eye and Ear e Massachusetts General Hospital e professor assistente na Harvard Medical School, Boston, Massachusetts.

Dra. Pukenas é vice-diretora e vice-chefe de Assuntos Administrativos no Departamento de Anestesiologia do Cooper University Health Care e reitora assistente de Assuntos Estudantis e professora associada de Anestesiologia na Cooper Medical School da Rowan University em Camden, Nova Jersey.


Os autores não apresentam conflitos de interesse.


Referências

  1. Albright-Trainer B. Leadership philosophy: what makes a great leader? VSA Update Newsletter. Fall 2019.
  2. Sfantou D, Laliotis A, Patelarou A, et al. Importance of leadership style towards quality of care measures in healthcare settings: a systematic review. Healthcare (Basel). 2017;5:73.
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