Máquina de anestesia como ventilador de UTI – Uma quase falha durante a pandemia da COVID-19

Matthew A. Levin, MD; Garrett Burnett, MD; Joshua Villar, AS; Joshua Hamburger, MD; James B. Eisenkraft, MD; Andrew B. Leibowitz, MD
Este artigo foi publicado anteriormente no portal on-line da APSF.
A presente versão foi atualizada e modificada pelo autor para este Boletim da APSF.

Declaração de isenção de responsabilidade: os leitores deste material devem analisar as informações contidas nele juntamente com aconselhamento médico e legal adequado e tomar suas próprias decisões acerca da relevância do material para seu próprio ambiente de prática, cumprindo as leis e regulamentações estaduais e federais. A APSF envida seus melhores esforços para fornecer informações precisas. No entanto, este material é fornecido apenas para fins de informação e não constitui aconselhamento médico ou legal. Essa resposta também não deve ser interpretada como uma representação do endosso ou da política da APSF (exceto se declarado de outra forma), como recomendações clínicas ou como substitutos do julgamento de um médico e de aconselhamento legal independente.

Máquina de anestesia

A pandemia da COVID-19 na cidade de Nova York no segundo trimestre de 2020 resultou em um número sem precedentes de pacientes que precisaram de ventilação mecânica. Com a necessidade de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) e ventiladores excedendo o suprimento, máquinas de anestesia foram usadas como ventiladores em locais fora do centro cirúrgico, um uso não prescrito1 O documento da APSF/ASA “Orientação sobre a finalidade de máquinas de anestesia como ventiladores de UTI” inclui pontos-chave a serem considerados na preparação para o uso de máquinas de anestesia como ventiladores de UTI, e observa que qualquer local com alta pressão de ar e oxigênio pode ser aceitável.2 Relatamos o caso de falha do ventilador de uma máquina de anestesia em um paciente com COVID-19 que estava recebendo manejo em uma sala de pressão negativa sem janelas em uma unidade de telemetria que havia sido convertida em uma UTI de COVID-19 temporária. Esse caso destaca que o novo uso de equipamento padrão está sujeito a problemas imprevistos.

O caso

Um homem de 66 anos com histórico de diabetes sem dependência de insulina foi internado em uma UTI de COVID-19 temporária por insuficiência respiratória aguda, necessitando de intubação traqueal e ventilação mecânica. Salas temporárias de pressão negativa foram criadas substituindo-se a janela externa de cada sala por um painel de madeira com um recorte para o duto de saída do exaustor/filtro HEPA (Air Shield 550 HEPA Air Scrubber, AER Industries, Irwindale, CA, EUA). Estações de trabalho de anestesia (Aisys Carestation CS2, GE Healthcare, Waukesha, WI, EUA) estavam sendo usadas como ventiladores nessa UTI temporária, gerenciada 24 horas por dia, 7 dias por semana por um grupo de anestesiologistas. Os quartos não tinham janelas internas ou visores na porta, mas a visualização indireta era fornecida por meio de um sistema de monitorização visual remota do paciente (AvaSys Telesitter, Belmont, MI, EUA). A monitorização foi feita por meio de uma rede de telemetria da estação central (GE CareScape, GE Healthcare, Waukesha, WI, EUA) à qual o monitor fisiológico da estação de trabalho foi conectado, com alertas de áudio de alto volume para ritmos anormais e bradicardia/taquicardia e o alarme de áudio de baixo volume padrão para SpO2.

No décimo dia de hospitalização, um alarme sonoro soou na estação central e foi observada uma SpO2 de 45%. A equipe de atendimento, protegida com EPI, entrou no quarto do paciente e observou que a ventilação mecânica havia cessado, o exaustor estava desligado e a sala estava muito quente. A tela de controle do Aisys estava escura, a luz indicadora de alimentação CA apagada, mas o monitor fisiológico estava ligado e funcionando. O paciente foi imediatamente desconectado do circuito respiratório, ventilado com uma bolsa de ventilação manual autoinflável e a SpO2 voltou rapidamente aos níveis do valor de base. Observou-se que o leito (HillRom Progressa Pulmonary, HillRom, Chicago, Illinois) estava conectado a uma tomada auxiliar no exaustor, o ventilador estava conectado a uma tomada elétrica no chão e a estação de trabalho Aisys estava conectada a uma tomada separa no chão. A estação de trabalho foi imediatamente conectada a uma tomada elétrica diferente, a luz indicadora de alimentação CA acendeu e a estação de trabalho foi reinicializada. Após a verificação pré-uso, o paciente foi reconectado ao circuito respiratório e a ventilação mecânica foi retomada normalmente.

A estação de trabalho Aisys foi posteriormente removida da sala para investigação e substituída por uma nova. A equipe de engenharia do hospital descobriu que um disjuntor da sala havia desarmado e reiniciado. Nenhum problema foi encontrado no exaustor e ele foi reiniciado.

Análise de causa raiz

A falha da estação de trabalho foi causada pela interrupção do fornecimento de energia devido a um disjuntor desarmado. A revisão do registro de serviço revelou uma perda de alimentação CA, transição apropriada para a bateria reserva e eventual descarga completa da bateria. Várias mensagens de alarme foram exibidas na tela da estação de trabalho, começando 28 minutos após a perda de alimentação CA e passando de “Bateria fraca”, “Bateria muito fraca” para “Bateria EXTREMAMENTE BAIXA” e, depois de 1 hora 43 minutos, para “Bateria descarregada”. O sistema foi encerrado depois de 1 hora e 52 minutos. O registro de serviço verificou que o sistema funcionava conforme pretendido,3 mas essas mensagens de alarme não eram visíveis para a equipe fora do quarto do paciente.

Discussão

Este caso ilustra alguns dos problemas que podem ser encontrados durante a pandemia da COVID-19, nomeadamente a criação de uma UTI improvisada em curto prazo e o uso de uma estação de trabalho de anestesia para ventilar um paciente gravemente enfermo em uma sala fechada, com monitorização remota nada ideal. Durante o uso normal de uma estação de trabalho de anestesia, um anestesiologista qualificado está em atendimento constante, pode visualizar telas, ouvir alertas sonoros e fazer os ajustes necessários. A bateria reserva na estação de trabalho Aisys é especificada para durar de 50 a 90 minutos, dependendo do modelo, mas nesse caso durou quase duas horas. Em contraste, um ventilador de UTI como o Puritan Bennett 980 (Medtronic, Boulder, CO) é especificado para ter uma bateria reserva de uma hora.4 Embora a falha do ventilador, neste caso, tenha sido causada por perda de energia elétrica externa, também foi relatada a falha da fonte de alimentação interna do ventilador.5 Felizmente, o monitor fisiológico (Care-Scape b650, GE Healthcare, Waukesha, WI, EUA) tinha sua própria bateria reserva com um tempo de execução de 1-2 horas,6 e estava conectado à rede de telemetria, portanto, alertando a equipe. A causa do disjuntor desarmado é desconhecida. O fornecimento de energia elétrica para a sala compreendia dois circuitos dedicados de 15A com tomadas brancas, dois circuitos de 20A compartilhados com a sala adjacente, também com tomadas brancas, e um circuito de emergência de 20A com tomadas vermelhas. As tomadas elétricas brancas não tinham marcações para indicar a qual dos circuitos estavam conectadas.

É improvável que um dispositivo na sala adjacente tenha causado o desarme do disjuntor porque não houve perda de energia nela. A explicação mais provável é que o leito, o exaustor, o monitor de telemedicina e a estação de trabalho de anestesia estavam todos conectados ao mesmo circuito de 15A e o consumo total de corrente de todos os dispositivos excedeu 15A. O exaustor consome 2,5A e o leito pode consumir até 12A, deixando uma margem muito pequena antes que o circuito fique sobrecarregado. Notavelmente, em muitos hospitais (incluindo o nosso), os painéis do disjuntor estão bloqueados e só podem ser acessados ​​pela engenharia devido a questões de segurança. A acessibilidade limitada pode causar um atraso no restabelecimento da energia.7,8

A orientação da APSF/ASA inclui a recomendação de que “um anestesiologista precisa estar imediatamente disponível para consulta e verificar as máquinas de anestesia pelo menos a cada hora”. Durante o auge da pandemia, com limitações de EPI e de equipe, 168 pacientes ventilados e 18 pacientes sendo ventilados em estações de trabalho de anestesia, a circulação de hora em hora simplesmente não era possível. O mesmo problema também poderia ter ocorrido com um ventilador de UTI padrão, pois eles também têm energia de reserva limitada e, com exceção de alguns modelos muito novos, não podem ser monitorados remotamente. Uma solução que não estava disponível para nós naquele momento seria separar as telas de controle e monitorização da estação de trabalho Aisys e, usando cabos de extensão especiais, movê-las para fora da sala, permitindo assim o controle dos fluxos de gás e ventilação, bem como a monitorização remota.9

Em conclusão, o uso de uma estação de trabalho de anestesia como ventilador de UTI é viável em uma situação de crise, mas é necessária maior vigilância para reconhecer e gerenciar problemas imprevistos.

 

Matthew A. Levin, MD, é professor associado do Departamento de Anestesiologia, Medicina Perioperatória e da Dor da Faculdade de Medicina de Icahn em Mount Sinai, Nova York, NY, EUA.

Garrett Burnett, MD, é professor assistente no Departamento de Anestesiologia, Medicina Perioperatória e da Dor, da Faculdade de Medicina da Icahn em Mount Sinai, New York, NY, EUA.

Joshua Villar, AS, é o técnico-chefe de anestesia do Departamento de Anestesiologia, Medicina Perioperatória e da Dor da Faculdade de Medicina da Icahn em Mount Sinai, Nova York, NY, EUA.

Joshua Hamburger, MD, é professor assistente do Departamento de Anestesiologia, Medicina Perioperatória e da Dor, da Faculdade de Medicina da Icahn em Mount Sinai, New York, NY, EUA.

James B. Eisenkraft, MD, é professor do Departamento de Anestesiologia, Medicina Perioperatória e da Dor, da Faculdade de Medicina da Icahn em Mount Sinai, New York, NY, EUA.

Andrew B Leibowitz, MD, é professor do Departamento de Anestesiologia, Medicina Perioperatória e da Dor, da Faculdade de Medicina da Icahn em Mount Sinai, New York, NY, EUA.


Garrett Burnett, Joshua Villar, Joshua Hamburger, James Eisenkraft e Andrew Leibowitz não apresentam conflitos de interesses.

Matthew Levin relata ter recebido honorários de publicação do Grupo McMahon e honorários de consultoria da ASA PM 2020, e entrou com um pedido de patente provisória para o projeto do circuito de ventilação compartilhado com a Stryker Corporation, pela qual não recebeu nenhum honorário ou participação acionária.


Referências

  1. Haina KMK Jr. Use of anesthesia machines in a critical care setting during the coronavirus disease 2019 pandemic. A A Pract. 2020;14:E01243. Doi:10.1213/Xaa.0000000000001243
  2. APSF/ASA guidance on purposing anesthesia machines as icu ventilators. https://www.asahq.org/in-the-spotlight/coronavirus-covid-19-information/purposing-anesthesia-machines-for-ventilators Accessed August 6, 2020.
  3. GE Aisys CS2 user’s reference manual. https://www.manualslib.com/manual/1210542/ge-aisys-cs2.html Accessed August 10, 2020.
  4. Technical Specifications for U.S. Puritan Bennett™ 980 Ventilator System. Medtronic/Covidien; 2016. https://www.medtronic.com/content/dam/covidien/library/us/en/product/acute-care-ventilation/puritan-bennett-980-ventilator-system-tech-specifications.pdf. Accessed December 21, 2020.
  5. Davis AR, Kleinman B, Jellish WS. Cause of ventilator failure is unclear – Anesthesia Patient Safety Foundation. Published 2005. https://dev2.apsf.org/article/cause-of-ventilator-failure-is-unclear/ Accessed August 6, 2020.
  6. GE Healthcare. Carescape Monitor B650.; 10/2010. https://www.gehealthcare.com/-/jssmedia/e4c9c6ed549f43a0b2efdba2adfe2687.pdf?la=en-us Accessed August 10, 2020.
  7. Carpenter T, Robinson ST. Response to a partial power failure in the operating room. Anesthesia & Analgesia. 2010;110:1644. Doi:10.1213/Ane.0b013e3181c84c94
  8. August DA. Locked out of a box and a process. Anesth Analg. 2011;112:1248–1249; Author Reply 1249. Doi:10.1213/Ane.0b013e31821140e4
  9. Connor CW, Palmer LJ, Pentakota S. Remote control and monitoring of ge aisys anesthesia machines repurposed as intensive care unit ventilators. Anesthesiology. 2020;133:477–479. Doi:10.1097/Aln.0000000000003371