Um ano depois do PRODIGY – sabemos mais sobre depressão respiratória induzida por opioides?

Ashish K Khanna, MD, FCCP, FCCM, FASA; Richard D. Urman MD, MBA, FASA; Toby N. Weingarten MD
Nota do editor: Embora o ensaio clínico Prodigy tenha sido financiado pela Medtronic, No entanto, as informações a seguir são aplicáveis a um amplo espectro de tipos de equipamentos.

Os resultados do ensaio clínico “PRediction of Opioid-induced respiratory Depression In patients monitored by capnoGraphY” (PRODIGY), sobre a previsão de depressão respiratória induzida por opioides em pacientes monitorados por capnografia, foram publicados no ano passado.1 Este foi um estudo prospectivo observacional de capnografia e oximetria contínuas cegas, conduzido em 16 centros nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Um total de 1.335 pacientes que receberam opioides por via parenteral foram monitorados continuamente com capnografia e oximetria sem identificação do profissional de saúde em enfermaria de cuidados gerais. Os sinais vitais foram monitorados de modo intermitente de acordo com o padrão de atendimento e protocolo do hospital. Os episódios de depressão respiratória predefinidos do estudo incluíram qualquer um dos seguintes: frequência respiratória ≤ 5 bpm, saturação de oxigênio ≤ 85% ou dióxido de carbono expirado ≤ 15 ou ≥ 60 mmHg por ≥ 3 minutos; episódio de apneia com duração > 30 segundos; ou qualquer evento adverso respiratório relacionado a opioides. O objetivo principal do PRODIGY era definir a incidência de depressão respiratória induzida por opioides (ou DRIO) e criar uma ferramenta de previsão de risco multivariada (ou seja, uma pontuação PRODIGY) para prever depressão respiratória (DR) em pacientes hospitalizados.1 Um ou mais episódios de depressão respiratória foram detectados em 614 (46%) de 1.335 pacientes na enfermaria de cuidados gerais (43% do sexo masculino, idade média de 58 ± 14 anos) que foram monitorados continuamente por uma mediana de 24 horas (IIQ 17-26). Cinco variáveis independentes que incluíram idade ≥ 60 (em décadas), sexo, inexistência de uso prévio de opioide, distúrbios respiratórios do sono e insuficiência cardíaca crônica faziam parte de um modelo de previsão multivariado de depressão respiratória com uma área sob a curva (ASC) de 0,76 (tabela 1). Para o PRODIGY, os traçados de capnografia e oximetria de pulso foram obtidos em enfermarias hospitalares padrão e revisados para determinar se os pacientes tiveram um episódio de DR. Durante o estudo, notamos que muitos pacientes que tiveram um episódio de DR frequentemente apresentaram vários episódios. Recentemente, realizamos uma análise secundária de 250 pacientes de dois centros participantes para compreender melhor esses episódios múltiplos.² Confirmamos nossa impressão de que os episódios de DR raramente eram isolados. O número de pacientes com um episódio de DR foi 155 e, destes, 136 (88%) tiveram episódios múltiplos. Além disso, o número de episódios de DR por paciente aumentou com pontuações mais altas do PRODIGY. Por exemplo, 100 pacientes tiveram uma pontuação PRODIGY baixa e, destes, 47 tiveram DR com uma mediana (intervalo interquartil) 0 (0, 4) de episódios de DR por paciente, enquanto 70 pacientes tiveram uma pontuação PRODIGY alta e, destes, 59 tiveram DR com 5 (IIQ 1-16) episódios de DR por paciente, P < 0,001. O tempo desde o final da cirurgia até o episódio de DR também foi analisado. O tempo para o primeiro episódio de DR foi de 8,8 horas (IIQ 5,1, 18,0) no pós-operatório, com um pico de ocorrência dos primeiros episódios de DR entre 14h e 20h do dia da cirurgia (figura 1a). Muitos episódios subsequentes também ocorreram durante esse período, mas houve um pico estatisticamente significativo de ocorrências de DR na manhã seguinte, das 2h às 6h (todos os episódios nas primeiras 24 horas pós-operatórias, figura 1b). Esses resultados sugerem que a pontuação PRODIGY não apenas calcula o risco de um paciente ter um episódio de DR, mas que esses pacientes têm mais episódios. Além disso, a distribuição do tempo dos episódios de DR tem implicações para a monitorização contínua pós-operatória – especificamente, esses monitores devem ser aplicados após a saída da área de recuperação.

Tabela 1: A pontuação de risco do PRODIGY e a distribuição entre as categorias de risco. As células destacadas em verde representam um exemplo de paciente com alto risco de 15 pontos.

Reproduzido e modificado com permissão. Khanna AK, Bergese SD, Jungquist CR, et al. Prediction of opioid-induced respiratory depression on inpatient wards using continuous capnography and oximetry: an international prospective, observational trial. Anesth Analg. 2020;131:1012–1024.<br /> Pr > [t] = probabilidade de se observar qualquer valor igual ou maior que t; RC = razão de chance; IB = risco intermediário versus baixo; AI = risco alto versus intermediário; AB = risco alto versus baixo; DR = depressão respiratória; pac. = pacientes.

Reproduzido e modificado com permissão. Khanna AK, Bergese SD, Jungquist CR, et al. Prediction of opioid-induced respiratory depression on inpatient wards using continuous capnography and oximetry: an international prospective, observational trial. Anesth Analg. 2020;131:1012–1024.

Pr > [t] = probabilidade de se observar qualquer valor igual ou maior que t; RC = razão de chance; IB = risco intermediário versus baixo; AI = risco alto versus intermediário; AB = risco alto versus baixo; DR = depressão respiratória; pac. = pacientes.

Figura 1a (esquerda): A hora do dia do final da cirurgia e os episódios depressivos respiratórios pós-operatórios iniciais. Os gráficos de radar representam a hora do dia em um relógio de 24 horas. A magnitude de cada raio é o número total de episódios entre o horário do raio anterior e o horário do raio atual (por exemplo, o número de episódios que ocorreram entre 0h e 2h é mostrado às 2h). A escala dos episódios é diferente entre os dois gráficos. O número de episódios respiratórios para cada intervalo de tempo é mostrado na linha azul e o final das cirurgias é mostrado em vermelho.<br /> Figura 1b (direita): A hora do dia para todos os episódios depressivos respiratórios pós-operatórios nas primeiras 24 horas de pós-operatório.

Figura 1a (esquerda): A hora do dia do final da cirurgia e os episódios depressivos respiratórios pós-operatórios iniciais. Os gráficos de radar representam a hora do dia em um relógio de 24 horas. A magnitude de cada raio é o número total de episódios entre o horário do raio anterior e o horário do raio atual (por exemplo, o número de episódios que ocorreram entre 0h e 2h é mostrado às 2h). A escala dos episódios é diferente entre os dois gráficos. O número de episódios respiratórios para cada intervalo de tempo é mostrado na linha azul e o final das cirurgias é mostrado em vermelho.

Figura 1b (direita): A hora do dia para todos os episódios depressivos respiratórios pós-operatórios nas primeiras 24 horas de pós-operatório.

Em outra análise post hoc recente, usamos os dados existentes do PRODIGY para obter uma melhor compreensão das diferenças geográficas que podem levar à administração de opioides por via parenteral em pacientes internados. Essa foi uma oportunidade única, visto que os dados originais foram coletados nos Estados Unidos, Europa e Ásia e incluíram um total de 16 enfermarias cirúrgicas e de cuidados gerais. Além disso, queríamos saber se o tipo e a via de administração dos opioides estão associados a uma redução da DRIO. Existem algumas descobertas interessantes nesta análise post hoc que têm importantes implicações sociais e clínicas. Por exemplo, descobrimos que em centros de estudo asiáticos, os pacientes hospitalizados receberam 7,2 de volume equivalente em miligramas de morfina (MME, sigla em inglês) (RC 1,7-18,7) em média, enquanto o uso de opioides nos Estados Unidos (31,5 MME, RC 12,5-76,7) e na Europa (31,0 MME, RC 62-99,0) foi significativamente maior. Essas diferenças nas práticas analgésicas são intrigantes e devem ser objeto de estudos futuros. Os episódios de DRIO diferiram pelo tipo de opioide, em que 54% dos pacientes que receberam apenas opioides de ação curta (por exemplo, fentanil) tiveram ≥ 1 episódio de DRIO, enquanto 45% que receberam apenas opioides de longa ação (duração da ação ≥ 3 horas) apresentaram DRIO. Outro achado interessante foi que o tramadol e os opioides epidurais foram associados a uma redução significativa da DRIO. Os resultados de nossa análise validam estudos anteriores, sugerindo que o tipo de opioide usado pode impactar os resultados pós-operatórios, incluindo o risco de DRIO.³

A economia da saúde da DRIO está sendo investigada. Coletamos dados de custo para 420 pacientes nos Estados Unidos incluídos no estudo PRODIGY. Usando a ferramenta de previsão de risco do PRODIGY, os pacientes que tinham alto risco para DRIO e que tiveram ≥ 1 episódio de depressão respiratória detectado por capnografia e oximetria contínuas tiveram custos hospitalares mais altos em comparação com pacientes com alto risco sem depressão respiratória (US$ 21.948 ± US$ 9.128 comparado a US$ 18.474 ± US$ 9.767, p = 0,0495). A análise de propensão ponderada identificou custos 17% mais altos para pacientes com ≥ 1 episódio de depressão respiratória (p = 0,007).

O custo hospitalar total aumentou exponencialmente para pacientes com ≥ 1 episódio de depressão respiratória conforme o tempo de internação aumentou.⁴Da mesma forma, o custo-benefício ou o “ponto de equilíbrio” entre o custo de investimento em monitorização contínua e a estimativa da probabilidade de economia com monitorização contínua para uma redução estimada da depressão respiratória está sendo avaliado em um modelo simples de economia da saúde.

O PRODIGY reforçou algumas lições aprendidas com o passado. Em primeiro lugar, a DRIO é realmente comum e a oximetria e a capnografia contínuas podem detectar esse comprometimento. Em segundo lugar, a DRIO ocorre em agrupamentos habituais, no dia da recuperação da cirurgia e na manhã seguinte. Terceiro, existem variações geográficas distintas no uso de analgesia opioide e as técnicas de anestesia regional ou tramadol podem proteger contra a DRIO. Quarto, há um aumento exponencial significativo nos custos associados ao tempo de internação em pacientes de alto risco que apresentam episódios de depressão respiratória. Embora a maioria dos episódios de depressão respiratória não estivesse diretamente associada a eventos adversos com risco de vida imediato, vários pacientes desenvolveram complicações graves relacionadas a opioides que foram tratadas com administração de naloxona. Enquanto a monitorização cardiorrespiratória portátil contínua dos sinais vitais para cada paciente hospitalizado possa ser a meta final, continuamos a desenvolver melhores modelos de previsão clinicamente relevantes usando a caracterização granular da propagação de eventos de DRIO nas enfermarias hospitalares. A meta final é usar esses dados coletados continuamente para identificar pacientes com eventos adversos graves pendentes (por exemplo, parada respiratória) para que intervenções de mitigação oportunas possam ser implementadas. Também esperamos continuar desenvolvendo modelos econômicos para prever melhor quais pacientes receberão mais benefícios e qual é a redução no tamanho do efeito de eventos de DRIO. O PRODIGY não foi um ensaio de intervenção randomizado prospectivo e é, portanto, limitado por seu delineamento não randomizado; no entanto, os sinais vistos no PRODIGY pavimentam o caminho para um teste devidamente alimentado e projetado que seja capaz de estabelecer ou refutar a conexão entre a monitorização de vigilância na enfermaria de cuidados gerais e a mortalidade do paciente.

 

Ashish K. Khanna é professor associado de Anestesiologia no Departamento de Anestesiologia, Seção de Medicina Intensiva, Wake Forest School of Medicine, Winston-Salem, NC.

Richard D. Urman é professor associado de Anestesiologia no Departamento de Anestesiologia, Medicina Perioperatória e da Dor, Brigham and Women’s Hospital, Boston, MA.

Toby N. Weingarten é professor de Anestesiologia no Departamento de Anestesiologia e Medicina Perioperatória, Mayo Clinic, Rochester, MN.


Conflitos de interesse:

Ashish Khana, MD, relata honorários de consultoria da Medtronic e financiamento para pesquisa de uma instituição anterior ao ensaio clínico PRODIGY. Ele também recebeu financiamento pelo prêmio NIH/NCATS KL2 para um teste piloto de monitorização hemodinâmica e de saturação contínua em enfermarias hospitalares e recebe honorários de consultoria não relacionados da Edwards Lifesciences, Potrero Medical e Retia Medical.

Richard Urman, MD, relata honorários de consultoria e financiamento de pesquisa da Medtronic, e honorários ou financiamento não relacionados da Merck, Heron, Acacia, Pfizer e AcelRx, além de financiamento federal pelos NIH NIH/NIDA – 1R34DA048268-01A1, AHRQ R01 HS025718-01A1, Prêmio da NSF 1838796.

Toby N. Weingarten, MD, relata honorários de consultoria e apoio de pesquisa da Medtronic e Merck.


Referências

  1. Khanna AK, Bergese SD, Jungquist CR, et al. Prediction of opioid-induced respiratory depression on inpatient wards using continuous capnography and oximetry: an international prospective, observational trial. Anesth Analg. 2020; 131:1012–1024.
  2. Driver CN, Laporta ML, Bergese SD, et al. Frequency and temporal distribution of postoperative respiratory depressive events. Anesth & Analg. 2021;132:1206–1214.
  3. Urman RD, Khanna AK, Bergese SD, et al. Postoperative opioid administration characteristics associated with opioid-induced respiratory depression: results from the PRODIGY trial. Journal of Clinical Anesthesia. 2021;70:110167.
  4. Khanna AK, Saager L, Bergese S, et al. Opioid-induced respiratory depression increases hospital costs and length of stay in patients recovering on the general care floor. 2020 Anesthesiology Meeting.